sábado

Vida urbana

Goiânia, a cidade onde moro, a exemplo de algumas outras, cresceu rápido e de repente, depois da chegada de Brasília.

Essa parte todos sabem.

Poucos percebem, mas acho que também sabem: isso é motivo para que os habitantes da cidade antiga tenham um saudosismo -- digamos -- exagerado. São aquelas pessoas que contam as histórias das ruas: rua 24, rua 4, rua 5, rua 3, rua 55 e assim por diante. Obviamente essas histórias incluem seus personagens -- uns mais reais que os outros.

Pois bem, essas pessoas às vezes têm boas histórias. Nem sempre. Em geral, quanto mais particular for a história, melhor fica. Mas toda essa saudade faz com que as partes mais velhas da cidade fiquem mal conservadas e, conseqüentemente, decadentes tanto quanto possível.

Ter pessoas fechadas, difíceis e que bloqueiam o progresso por aqui é um caso sério. Mas não quer dizer que, por isso e porque a atividade agropecuária aqui é fundamental, o lugar seja exatamente mesquinho.

Eu digo e repito: é questão de renda, e não de tamanho. A classe média se relaciona entre si, e o mesmo vale para as classes alta, baixa e miserável. Dentro desses grupinhos todo mundo se conhece, porque no final das contas é pouca gente.

Quanto a tamanho, Munique e Goiânia estão extremamente próximas. Ninguém fala que Munique é pequena; sinal de que Goiânia não é pequena. Um milhão e pouco de pessoas é bastante gente. Não é bem uma fazenda, a não ser que seja uma fazenda gigantesca, com muito peão e sem proprietário. Não é o caso.

Trata-se de uma cidade tipicamente brasileira. É claro que tem gente pequena; tem gente que faz conta só com cabeça de gado; tem gente que mata quando é desagradado, mas isso não é privilégio só nosso. Vide o caso do ex-agente da KGB, assassinado com polônio radioativo.

Para provar que a questão não é de tamanho, basta pegar alguém do alphaville e colocar para tomar uma cerveja lá na vila papel 52. Aposto que não conhecerá ninguém.

E os goianienses insistem: "Eu detesto Goiânia! Aqui não tem nada pra fazer!"

Não?

Primeiro que as pessoas têm que procurar. Não vai bater um vendedor de lazer na sua porta, oferecendo carona para a peça de teatro que está em cartaz. Mas tem teatro em cartaz sim.

Segundo e mais importante: as pessoas que acreditam não ter nada para fazer estabelecem a crença de que ter qualquer coisa legal nesta cidade é um privilégio proibido e inexistente -- se não para todos, pelo menos para elas.

Se tiver mesmo o que elas querem, as coisas se complicarão: ou terão que procurar algo novo para reclamar, ou terão que se preocupar com problemas mais pessoais, coisa que geralmente elas querem ignorar para todo o sempre.

Poderíamos estar mais bem servidos? Sim, sem dúvida. Mas alguém tem que permitir que o esforço seja feito.

Reclamar do lugar onde se mora é um cliché e costuma impedir os esforços. Soma-se a isso mais um fato: a vida de muita gente é um cliché. E -- convenhamos -- viver o que já está pensado é bem mais tranqüilo.

Pensar na própria vida costuma dar muito trabalho.

quinta-feira

A repetição

"I'll be back", diz a princesa Leia em Guerra nas Estrelas.

E de fato voltou. Além dos três episódios antigos, a série de Guerra nas Estrelas ganhou novos episódios há alguns anos. Sinal dos tempos.

São ainda sinal dos tempos a volta dos cortes de cabelo moicanos, a calça jeans de cintura alta, as roupas de ginástica meio bregas, a regravação de músicas antigas e os contínuos blockbusters -- que surgiram há uns 20 anos. Isso quando não repetem os filmes, às vezes mudando uma coisa ou outra: os recentes "A fantástica fábrica de chocolates" e "Superman" ilustram isso.

O gótico "the Cure" foi transmutado em novos góticos como Marilyn Mason e Evanescence, que são góticos a sua própria maneira -- mas gostam de falar do mesmo tema. Renato Russo e Cazuza voltam -- se é que já saíram -- à moda. E Madonna nunca esteve tão "disco" como agora. Até Michael Jackson e Prince andam tentando.

Enfim, os exemplos são inúmeros, depois do buraco que se abriu em meados da década de 90, quando os Estados Unidos se viram como potência isolada e a produção de idéias se pôs a cochilar ou a se repetir.

Surgiram coisas novas, naturalmente, mas não tantas. Só um vazio como esse seria capaz de trazer de volta a década de 80 -- tida nos livros como a "década perdida" -- e as outras décadas de 70, 60, 50,...

E agora, depois de falar que tudo aquilo foi perdido de uma forma ou de outra, as pessoas olham para trás e vêem que não foi tão ruim assim. Saudades da infância: fenômeno interessante. É possível que tenha havido coisas boa por lá.

Mas não basta isso: agora voltamos à construção de muros -- entre israelenses e palestinos e entre americanos e mexicanos -- e voltamos à bomba nuclear. Parece idéia do Enéas, mas não é. "Back to the chain!"

Falta voltar o socialismo, dividir a Alemanha, colocar duas potências para duelarem, acabar com a liberdade de expressão, colocar os militares no poder e aí sim teremos tudo estabelecido, tudo pronto para que as coisas voltem ao seu estado anterior. E para que assim as pessoas voltem ao seu estado natural de poder protestar contra "tudo isso que está aí". Vão voltar a acreditar em ideais, a se organizar em comunidades Hippie, a engordar, a fazer permanente, a pintar quadros com o Belo e assim vamos.

É confortável, pois construiremos tudo de novo para poder descontruir, quebrar o muro. E depois voltará o vazio, a queda dos ideiais de novo, e depois a reconstrução e assim sucessivamente.

Pode até ser confortável a princípio, mas não esconde o vazio. E tenho a certeza.

sexta-feira

É a vovozinha que está em desenvolvimento!

As pessoas têm medo e vergonha das palavras, obviamente.

Branco é branco. Preto é preto. Mesa é mesa. Americanos são americanos. Vida é vida. Morte é morte. Sexo não é rapidinha, nem brincadeira. É sexo. Câncer é câncer – e não “neo”. E por aí vai. Assusta mas é.

Claro que as palavras têm uma carga subjetiva e que nem sempre se diz exatamente o que se quer, ou se diz uma coisa querendo que outra seja dita. Há uma posição subjetiva em jogo. Mas não é por isso que não se pode tentar dar nome aos bois de uma maneira mais adequada, para tentar não ofender a si mesmo nem a ninguém. A ofensa vai acontecer de qualquer modo e, às vezes, esconder é pior: finge-se que nada acontece e não se elimina a base do problema.

Digo mais: se sinônimos fossem exatamente iguais, não haveria duas palavras; só uma. E o pior é uma expressão que tenta mascarar um adjetivo claro e pesado.

O Brasil não está “em desenvolvimento”, até porque é lógico pensar que qualquer lugar ou pessoa do planeta e qualquer está em desenvolvimento, uma vez que continua. Parou de viver, parou de se desenvolver. Ainda que para trás, desenvolve-se algum movimento. Sempre.

Alguns usam “subdesenvolvimento”; outros, da esquerda dos anos 80, “terceiro mundo”. É menos mal, mas ainda esconde um pedaço. O Brasil é pobre. As pessoas são pobres. As cidades são pobres, os museus são pobres. Pobres.

A pobreza está em cada detalhe, cada pintura malfeita pela cidade, cada parede quebrada, cada casa mal construída, cada morro, cada jeitinho, cada gramado mal cuidado, cada denúncia de corrupção, cada piso desencaixado, cada terreno baldio, cada buraco na rua, cada chuva que destrói a cidade inteira, cada poste com a fiação emaranhada.

É pobre. É jeca. Repito: pobre. Pobre e não é limpinho. Se isso dói, é um problema a ser resolvido. E eu pago pra ver algum desenvolvimento maior disso daqui.

Em meio a isso, o prefeito de Goiânia lança uma campanha para fazer da cidade a mais limpa do Brasil. Não será difícil, mas duvido que consiga. Pode até melhorar, mas, brasileiros, continuaremos pobres e sujinhos.

007 brasileiro

É obvio que o óbvio aconteceu. Os bandidos descobriram que os museus brasileiros são precários: se não o são no acervo, o são na segurança. E agora, além do museu no Rio, um museu em Embu (São Paulo) foi roubado. Chama-se Museu de Arte Sacra dos Jesuítas. E, apesar do nome, deve ter alguma coisa valiosa, senão não seria roubado – porque o roubo pressupõe um comprador ou um apaixonado, neste caso.

A arte sempre esteve acompanhada, ao longo da história, de uma série de mistérios, incluindo o roubo. Os filmes exemplificam isso.

Mas aqui roubar está muito fácil. Não tem mistério nem dá tesão.

Procura-se a direita